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Prefácio

Pra mexer as cadeiras

Por Mara Gabrilli*

O esporte sempre foi fundamental na minha vida. Desde criança eu corria na escola. Gostava de competir. Mas havia um menino – o João Paulo –, que era o mais rápido da turma e eu nunca conseguia vencê-lo. E o João Paulo era amputado e usava uma prótese! Naquele tempo as próteses eram pesadas e ainda assim ele era o mais rápido! Eu passei a treinar todos os dias para superá-lo. Mais tarde, na juventude, eu virei maratonista. Cheguei a correr uma ultramaratona de 100 quilômetros e vocês podem ter certeza de que muito do João Paulo estava dentro de mim, me inspirando e motivando.

Logo depois do acidente que mudou todos meus parâmetros na vida há 21 anos, eu fundei uma organização, inicialmente chamada de Projeto Próximo Passo, que hoje é o Instituto Mara Gabrilli. Ao mesmo tempo em que reaprendia a lidar com o novo corpo paralisado, não me sentia paralisada. Queria trabalhar e tinha uma grande consciência de que eu tinha acesso a oportunidades e informações que outras pessoas com deficiência não tinham. Há duas décadas, pouco se falava em inclusão e faltava tudo. Fundei o IMG para mudar esse quadro e ajudar a promover a autonomia das pessoas com deficiência. Pensava que iria disseminar conhecimento, mas aprendi muito mais. E muito do que aprendi foi com os atletas que começamos a apoiar. Hoje o IMG conta com 22 atletas, mas mais de 100 já estiveram conosco. Recebo uma energia muito grande da força de vontade e da superação que todos sempre tiveram. São campeões nas quadras, nas pistas e nas piscinas, e representam o Brasil em competições nacionais e internacionais. Foram eles os maiores motivadores do trabalho de construção de políticas públicas que faço hoje.

Meu principal objetivo sempre foi tirar as pessoas com deficiência de casa para que pudessem exercer a cidadania. E, para mim, o esporte e a cultura são ferramentas muito poderosas de inclusão. As primeiras Paralimpíadas foram promovidas em 1960, em Roma, como uma forma de reabilitar as diversas pessoas feridas na Segunda Guerra Mundial. "Espírito em Movimento" é o lema do movimento paralímpico. E eu acredito firmemente nisso!

Neste ano (2016) eu me superei mais uma vez em um grande desafio: participei da primeira etapa do UB 515 Ultra Brasil Triathlon, competição realizada entre as cidades de Ubatuba, Paraty e Rio de Janeiro. A prova no Brasil é disputada nos mesmos moldes do Mundial, no Havaí. No primeiro dia os atletas nadam 10 km e pedalam 145 km; no segundo, pedalam mais 276 km; e no terceiro, correm duas maratonas (84 km).

Eu entrei na água a convite do meu amigo Tubarão, triatleta e nutricionista, para a prova de natação em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. Antes de entrar na água, eu já havia enfrentado dois obstáculos para estar ali: subir os inúmeros degraus da pousada (único lugar na cidade onde encontrei um quarto com banheira) e vestir a roupa de mergulho molhada do dia anterior... já imaginou uma tetra colocando aquela roupa de borracha?

Mas eu estava empolgada e decidida em fazer meu melhor. Lembrei-me das maratonas que participei na vida. Da ansiedade que me tomava horas antes de correr, do frio na barriga que me impulsionava a completar todas as provas que eu, atleta amadora, decidia competir. Emocionei-me quando vi a preparação dos atletas, fazendo suas orações e pedindo autorização ao mar para que entrássemos ali.

 

Na hora da largada, não contive as lágrimas. Eu estava com medo e nervosa, em uma espécie de mini catamarã onde meu corpo ficou suspenso por cordas dentro da água. Naquele equipamento fui puxada 10 km pelo Tubarão, em uma prova que durou quase cinco horas.

Na água, muita coisa passou por minha cabeça... e muita coisa aconteceu. Durante toda a prova fiquei o tempo todo praticando uma respiração acelerada e tentando mexer as pernas, contrair os músculos. Com a ajuda da água, algumas vezes consegui movimentos que me fizeram bater a coxa na barriga! Mas tudo era muito pequeno ali. Quando você pensa que um dia precisou de um aparelho para respirar e, de repente, a sua respiração se torna a protagonista daquilo tudo, o sentimento de gratidão toma conta. Virada para cima, foram cinco horas de céu, água, movimento e a sensação de que era Deus e eu. Uma sensação de infinito maravilhosa.

Costumo dizer que sou fã das pessoas com deficiência porque elas superam obstáculos a cada minuto de seu cotidiano. Andar pela calçada em uma megalópole como São Paulo é um verdadeiro rally. Estamos acostumados a enfrentar barreiras e desafios. Então por que ainda é difícil associar um esporte de aventura a uma pessoa com deficiência?

Saúdo a todos os envolvidos nesse livro “Aventura Adaptada” que mostraram que as pessoas com deficiência querem e podem ir muito além. Elas perpetuam o espírito de superação que toda aventura tem. Segundo o dicionário, a palavra “aventura” vem do latim "ad venture", derivada do verbo “advenire”, que significa “alcançar”. Aqui encontramos o verdadeiro sentido de uma atividade de aventura porque ela é colocada ao nosso alcance, nos preparando para o que vier. Aqui você encontrará toda a ajuda, sempre bem-vinda, para uma aventura inesquecível.

Boa leitura!

Mara Gabrilli é deputada federal. Foi relatora e autora do texto final da Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência). Integrou como única representante do Congresso Nacional, em agosto de 2015, a delegação do Estado Brasileiro em Genebra na reunião do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e, em junho de 2016, em Nova Iorque, na 9ª sessão da Conferência dos Estados Partes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização Nações Unidas (ONU). Está sempre pronta para uma boa aventura.