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Turismo de Aventura Acessível

Turismo de Aventura Acessível

Por Ricardo Shimosakai

A proposta do turismo acessível é proporcionar meios para que qualquer pessoa, independentemente da sua condição, consiga realizar as atividades turísticas, sem que haja o enfrentamento de barreiras. É importante que a acessibilidade possa ser autônoma, ou seja, que não seja necessário o auxílio de terceiros. Porém, em alguns casos isso não é possível, seja por questões de segurança, da própria condição do turista, ou de outros fatores que acabam dificultando uma acessibilidade perfeita. O importante é estar sempre livre de preconceitos, para que se possa buscar alguma alternativa com mais facilidade. Dentre os segmentos que mais cresceram, o ecoturismo, turismo de aventura e o turismo esportivo merecem destaque. O esporte, assim como a aventura, é composto de desafios. No esporte e no paradesporto, você geralmente tem adversários, e na aventura o adversário pode ser você mesmo ou uma situação. Ambas as atividades têm sempre a questão da superação envolvida. Forçados a conquistar a vitória ou um objetivo, os praticantes de esportes ou aventuras acabam incorporando uma certa filosofia, uma maneira de pensar e agir, em que apesar das dificuldades, será feito o possível para conseguir alcançar o melhor resultado.

Essas práticas acabam beneficiando o praticante em sua vida, no geral, com um valor ainda maior para pessoas com deficiência. Afinal, elas encontram dificuldades a todo o momento, e se não tiverem força de vontade para superá-las podem acabar morrendo na praia da ociosidade, ou até mesmo se afogar na depressão. Degraus, falta de comunicação adequada, espaços estreitos e discriminações, entre outros fatores, acabam atuando como adversários, e é preciso vencê-los para conquistar nossos objetivos em qualquer área de nossa vida. Por isso, é comum ver atletas que vivem de forma independente e feliz. A parte do exercício físico, em que se trabalha a força e o equilíbrio é ótima ao nosso corpo. Mas também são trabalhados o raciocínio e o reflexo, para criar estratégias e vencer o jogo. Além disso, as competições são uma ótima forma de socialização, pois na maioria dos casos, os adversários ficam somente dentro das quadras, piscinas e pistas; fora delas eles podem ser grandes amigos. É claro que essa maneira de pensar serve para qualquer pessoa, mas acaba tendo um valor ainda maior quando se trata de uma pessoa com deficiência ou algum tipo de necessidade específica. O turismo de aventura acaba tendo um resultado satisfatório maior do que outros tipos de turismo em locais urbanos e culturais. Isto porque, como dito anteriormente, esse tipo de atividade envolve desafios, e em lugares geralmente rústicos e de natureza. Então a pessoa com deficiência que faz essa opção, sabe antecipadamente que não irá encontrar a acessibilidade da forma como é descrita nas normas, até porque, não existem normas de acessibilidade em ambientes naturais. E também não irá encontrar um local tão limpo e asseado quanto se espera de um hotel, museu ou outro estabelecimento urbano. Não se espera sujeira, é claro, mas provavelmente poeira, areia, folhas e outros elementos naturais.

Nesses casos, a acessibilidade, ou as condições para que seja possível realizar a atividade, são proporcionadas por equipamentos específicos, como por exemplo, uma espécie de assento individual, colocado no bote de rafting, para dar estabilidade a uma pessoa sem muitas forças ou equilíbrio, como um tetraplégico. Outro grande fator para o sucesso é a capacitação dos profissionais envolvidos. Cabe ao instrutor de mergulho, por exemplo, fazer uma descrição detalhada dos equipamentos, métodos e situações, para que haja uma compreensão total da parte de uma pessoa com deficiência visual, para que tudo ocorra de forma segura e confortável. Um segmento novo do turismo que vem se fortalecendo é o turismo esportivo. São propostas de viagem, para pessoas que querem praticar esportes ou assistir a jogos e torneios. Há grupos que se formam, para participar da Corrida Internacional de São Silvestre ou da Maratona de Nova York, onde também competem pessoas com deficiência. Outra variação são as provas de ciclismo, como a tradicional Prova Ciclística 9 de Julho, que acontece em São Paulo, ou a famosa Tour de France, onde há handbikes (bicicletas pedaladas com as mãos, utilizadas por pessoas com deficiência física), ou as bicicletas tandem, com dois lugares, em que um vidente vai na frente pedalando e guiando, e a pessoa com deficiência visual vai atrás, também pedalando. E para não deixar de fora pessoas que buscam algo mais suave, a World Bike Tour, que pode ser descrita como um grande passeio ciclístico para toda a família, na qual os participantes ganham uma bicicleta, handbike ou tandem, e acontece anualmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Lisboa, Porto e Madri.

Campeonatos e torneios também levam muitas pessoas a viajar. Há quem não meça esforços para acompanhar a Seleção Brasileira de Futebol numa Copa do Mundo, ou seu time do coração em jogos da Copa Libertadores da América, e até mesmo em campeonatos nacionais ou regionais. Muitos também consideram eventos esportivos como um atrativo a mais para conhecer o destino, o que deve acontecer com o Brasil na época das Olimpíadas e Paralimpíadas, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Muitos estádios possuem acessibilidade para cadeira de rodas, e alguns até fornecem recursos da audiodescrição para cegos. No Brasil existem até duas torcidas organizadas formadas por pessoas com deficiência, como a Eficigalo, do Atlético Mineiro, e a Defiel, do Corinthians. Qualquer pessoa pode participar de uma atividade de aventura, sempre há alguma adaptação possível de ser feita, basta procurar informação a respeito, pois muitas vezes alguma solução já foi colocada em prática, ou também podemos aplicar nossa criatividade e experiência, aperfeiçoando ou inventando novas alternativas.

Podemos tomar o mergulho como referência de uma prática de aventura possível de ser feita por qualquer tipo de pessoa. No geral, a diferença do mergulho adaptado para o convencional, não está nos equipamentos, mas na forma de utilizá-los e na experiência do instrutor. Pesos e técnicas de respiração são utilizados para regular a posição de um mergulhador que não consegue movimentar as pernas, ou mesmo um amputado. Surdos que se comunicam através da língua de sinais levam vantagem, afinal, podem conversar com mais liberdade debaixo d’água. Uma solução criativa para cegos é utilizar máscaras chamadas full-face, que cobrem o rosto inteiro, em conjunto com microfones e fones sem fio, é possível se comunicar, o que seria difícil sem essa adaptação, pois a comunicação é totalmente visual e através de gestos.A partir daí, você já deve ter quebrado a barreira do preconceito a ponto de imaginar usuários de cadeira de rodas praticando stand-up paddle na Represa de Guarapiranga, amputados surfando nas pipelines do Havaí, idosos escalando o Everest, no Himalaia, pessoas com paralisia cerebral completando as exaustivas provas de Iron Man e jovens com Síndrome de Down esquiando na neve em Cerro Catedral, na Argentina.

Alguns destinos acabam tendo destaque, quando conseguem trabalhar em sintonia, atendendo esse nicho de público e transformando o que era motivo de depreciação do local ou serviço em uma vantagem competitiva. O turismo é uma cadeia produtiva, em que diversas empresas oferecem hospedagem, transportes, alimentação, informação e atendimento, entre outros itens, trabalhando para atender ao turista. É claro que essas empresas têm obrigações para tornar o turismo acessível. Por outro lado, no que diz respeito ao turista com deficiência, ainda que não seja uma obrigação, é importante informar suas necessidades aos locais e serviços turísticos que deseja usufruir, pois a acessibilidade não está presente em tudo e muitas vezes é necessária uma preparação prévia. Apontar falhas, cobrar melhorias, buscar profissionais experientes e participar, acaba mostrando aos empresários que este é um segmento ativo, e que por isso vale a pena realizar melhorias e investir em adaptações, para que as barreiras e superações fiquem restritas apenas às atividades que necessitam desses ingredientes para se fazerem emocionantes.

 

Ricardo Shimosakai é CEO da Turismo Adaptado, Bacharel em Turismo pela Universidade Anhembi Morumbi/ Laureate International Universities, trabalha desde 2004 com acessibilidade e inclusão no lazer e turismo. Membro da SATH (Society for Accessible Travel and Hospitality), ENAT (European Network for Accessible Tourism) e CIDCCA (Consejo Iberoamericano de Diseño, Ciudad y Construcción Accessible). Palestrante internacional e docente em cursos de Pós Graduação e MBA da Escola Roberto Miranda de Educação Corporativa.